Cacique encontrado morto liderava aldeia que ocupa terreno da Vale
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Cacique encontrado morto liderava aldeia que ocupa terreno da Vale
Março 06, 2024
Merong KamakĂŁ MongoiĂł liderava grupo que se instalou em Brumadinho
Porto Velho, RO - O cacique Merong KamakĂŁ MongoiĂł, encontrado morto na manhĂŁ de segunda-feira (4) em Brumadinho (MG), liderava indĂgenas que há mais de dois anos vivem em um terreno da mineradora Vale. Antes, eles se encontravam dispersos em áreas urbanas de cidades da regiĂŁo. O grupo se instalou no local em outubro de 2021, em um movimento de retomada da aldeia.
Os kamakĂŁs mongoiĂłs formam uma famĂlia do povo pataxĂł-hĂŁ-hĂŁ-hĂŁe, cuja aldeia mĂŁe se localiza no litoral sul da Bahia, ao pĂ© do Monte Pascoal. Um vĂdeo divulgado nas redes sociais pela UniĂŁo Nacional IndĂgena (UNI) em março de 2022 mostra o avanço dos trabalhos em Brumadinho.
Nele, Merong explica que a retomada mobilizou kamakĂŁs mongoiĂłs que, ao longo de 40 anos, deixaram a Bahia em momentos de conflito e viviam em contexto urbano, muitas vezes em situação precária e sem acesso a direitos que sĂŁo assegurados aos povos indĂgenas.
"Na pandemia de covid-19, reivindicamos a garantia de vacina e de comida e esse direito nos foi negado. EntĂŁo pedimos ao Grande EspĂrito que nos guiasse, chegamos aqui nesse territĂłrio que estava abandonado e com nascente. Tempos depois descobrimos que ele Ă© da Vale. Pode ser no papel, mas ela nĂŁo mora aqui.
A terra é para nós vivermos, para plantarmos, para nossas crianças tomarem banho no rio e ter educação diferenciada. Essa luta não é só nossa. Queremos proteger as nascentes. Queremos proteger os territórios das crateras da mineração".
Outro vĂdeo mostra cerimĂ´nia realizada para demarcação simbĂłlica da terra. Nele, os indĂgenas aparecem instalando uma placa no territĂłrio, nomeando a Aldeia KamakĂŁ Mongoiõ. "O nosso corpo pode servir atĂ© de adubo para essa terra, mas daqui nĂłs nĂŁo saĂmos", disse Merong na ocasiĂŁo.
Procurada pela AgĂŞncia Brasil, a mineradora afirma que o terreno se destina Ă recuperação ambiental e se tornou objeto de discussĂŁo na Justiça. "A Vale lamenta a morte do cacique Merong e se solidariza com seus familiares e a comunidade indĂgena", acrescenta o texto.
A propriedade da mineradora fica em uma área conhecida como Vale do CĂłrrego de Areias. O local está a aproximadamente 20 quilĂ´metros da Mina CĂłrrego do FeijĂŁo, onde ocorreu a ruptura de uma barragem que causou 270 mortes em 2019. Entre os atingidos pelo episĂłdio, está outra aldeia do povo pataxĂł-hĂŁ-hĂŁ-hĂŁe. Situada Ă s margens do Rio Paraopeba, ela se dividiu apĂłs a tragĂ©dia e muitas famĂlias acabaram deixando o local.
O corpo de Merong apresentava sinais de enforcamento. Natural de Contagem (MG), ele tinha 36 anos. Acionados, policiais militares estiveram presentes no local e fizeram um registro de ocorrĂŞncia como suicĂdio. Mas pessoas prĂłximas ao cacique nĂŁo acreditam nessa hipĂłtese.
"O cacique Merong foi assassinado. Simularam suicĂdio, mas nĂŁo foi. Merong conversou comigo em particular por 30 minutos no dia 25 de fevereiro. Ele estava com muitos planos para ampliar a luta", postou em suas redes sociais frei Gilvander Moreira, membro da ComissĂŁo Pastoral da Terra (CPT) e amigo do cacique.
A PolĂcia Civil informou que, por enquanto, "nenhuma linha de investigação está descartada". A PolĂcia Federal confirmou que tambĂ©m participa das investigações. Sua mobilização se justifica porque caso se conclua que Merong foi vĂtima de crime, a competĂŞncia para julgar o caso deverá ser fixada levando em conta as motivações presentes.
A SĂşmula 140, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estabelece que homicĂdios envolvendo indĂgenas sĂŁo discutidos na esfera estadual. No entanto, conforme a Constituição Federal, a responsabilidade Ă© do juĂzo federal se o crime estiver relacionado com disputa ou conflito em torno de direitos indĂgenas.
A morte do cacique foi lamentada em nota divulgada pela Fundação Nacional dos Povos IndĂgenas (Funai). Em suas redes sociais, a deputada federal indĂgena CĂ©lia Xakriabá (PSOL) postou mensagem sobre o ocorrido.
“Merong continuará vivo em nossos corações e na nossa luta, pois a luta Ă© o que temos de herança", escreveu. Manifestações de luto tambĂ©m foram divulgadas por diversas organizações da sociedade civil, como a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil (Conafer) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
"Apesar dos sinais de suicĂdio, parentes e amigos levantam a suspeita de possĂvel assassinato. É necessário que todas as possibilidades sejam investigadas com rigor e seriedade por parte do Poder PĂşblico. Mas sem perder de vista que os suicĂdios indĂgenas tambĂ©m devem ser vistos como um processo de violĂŞncia contra os povos originários enquanto um projeto de extermĂnio", diz o texto divulgado pelo Cimi.
O cacique Merong pertencia Ă sexta geração da famĂlia KamakĂŁ MongoiĂł e passou parte da infância no sul da Bahia. Ativista, ele se envolveu em mobilizações em diversos lugares do Brasil, tendo apoiado grupos kaingángs, xoklengx e guaranis. Era um entusiasta da retomada de territĂłrios, acreditando se tratar de uma forma de resistĂŞncia fundamental contra o apagamento dos povos indĂgenas.
O povo pataxĂł-hĂŁ-hĂŁ-hĂŁe tem sido vĂtima de diversos atos violentos no Ăşltimo perĂodo. Em dezembro do ano passado, o cacique Lucas Kariri-Sapuyá, de 31 anos, foi executado em uma tocaia no sul da Bahia. O mesmo ocorreu com a pajĂ© Nega PataxĂł, assassinada por fazendeiros em janeiro deste ano tambĂ©m em solo baiano. Galdino, indĂgena vĂtima de um crime bárbaro que chocou o Brasil em 1997, tambĂ©m era do povo pataxĂł hĂŁ-hĂŁ-hĂŁe: ele foi queimado vivo em BrasĂlia por jovens de elite.A
Fonte: AG/BR
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