Choro com lágrimas - A história e a música perdem Índio Brasil, referência das rodas de choro - CORREIO CONTINENTAL

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Choro com lágrimas - A história e a música perdem Índio Brasil, referência das rodas de choro

Além dos filhos e da esposa, Índio Brasil deixa 11 netos e quatro bisnetos. O velório e o sepultamento do violonista serão restritos

Porto Velho, RO - A cena cultural brasiliense — em especial, a das rodas de choro — perde um nome de peso. Morreu, ontem, aos 90 anos, o violonista de sete cordas Índio Brasil José de Freitas. O artista, que passou décadas dedicado à vida militar e se encontrou na melodia contagiante do chorinho após entrar para a reserva do Exército, é mais uma das vítimas da covid-19. Apesar de vacinado com duas doses contra a doença, ficou um mês internado na unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital particular da Asa Sul, mas não resistiu à agressividade do vírus, principalmente devido à idade avançada.

O nome de Índio Brasil conserva coincidências com a vida que levou. Além da família e da música, guardava carinho particular pela apreciação da natureza — sobretudo de pássaros —, traço que desenvolveu na juventude, quando morou em fazendas gaúchas, e durante as passagens por dezenas de estados do país a cada dois anos, como parte da trajetória no Exército. Nascido em Cachoeira do Sul (RS), o violonista também atuou como engenheiro militar, e administrador de empresas.

Casado por 60 anos com Rita Faraco de Freitas, 79, procuradora de Justiça aposentada do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, Índio Brasil e a esposa deixaram uma geração de advogados. Dos seis filhos, cinco seguiram no caminho do direito. A exceção foi Márcio Faraco, 58, que se enveredou pelo ramo das artes como o pai. Com uma carreira na França, onde mora desde 1991, o músico tinha voltado ao Brasil há quatro meses, para passar um tempo com a família e ajudar a amenizar a falta das rodas de choro do violonista.

Depois de retornar ao país europeu para lançar um disco, Márcio teve de regressar a Brasília novamente, quando descobriu que o pai estava doente. “Após a segunda dose, ele achou que podia ter um pouco mais de liberdade, e a covid-19 o pegou”, lamenta o filho. “Mas meu pai tinha uma alegria grande e uma memória boa. Conhecia todas as linhas (melódicas) de sete cordas de todos os choros. Era um chorão tradicional, sabia de muitas coisas. Minha mãe o resumiu com uma frase: ‘Alguém que não precisava de muito para ser feliz’. E nós herdamos isso dele”, acrescenta Márcio, emocionado.

Além dos filhos e da esposa, Índio Brasil deixa 11 netos e quatro bisnetos. O velório e o sepultamento do violonista serão restritos.

Choro com lágrimas

Quando ele se levantava da cadeira, esquecendo que havia chegado apoiado numa bengala, incendiava a turma, brincando nas cordas graves do violão de sete cordas. O chorão coronel Índio do Brasil era uma das alegrias da turma de diletantes que todos os domingos faz a festa na roda musical do bar No Grao, no comércio da QI 13 do Lago Norte.

O chorão Índio, que morreu ontem pela manhã, aos 90 anos, desde março do ano passado deixou de frequentar a roda; inicialmente, obedecendo ao lockdown decretado pelo governo; depois, como precaução mesmo, mas com um enorme esforço para quem gostava tanto da vida, dos encontros e da música.

A roda musical reúne músicos de todo tipo de formação. Índio começou a tocar com os irmãos e, aqui em Brasília, onde morava há décadas, ganhou outros irmãos em armas (ou em instrumentos). Alguns contemporâneos, como o cantor Fernando Lopes e o percussionista (ex-clarinetista) Valcir; outros bem mais novos, poderiam ser filhos e, de certa forma, são.

A música era o que o levava para frente, dava alegria de viver. Certa vez, convidado para uma festa de celebração à Peixaria do Deraldo, outro ponto importante da música boêmia e diletante, Índio nem piscou e marcou presença, mas passou por um aperto.

Já no meio dos cobras, ele se levantou de repente, mas, desta vez, não era para solar nos bordões. Havia sentido uma picada forte; inicialmente, desconfiou de algum marimbondo, mas as picadas continuaram e ninguém via nada voando com ferrão. Até que alguém deu o alarme: “escorpião”. Daqueles amarelos.

É um bicho de peçonha, com veneno neurotóxico que se espalha rapidamente pelo corpo, provocando uma dor intensa. Na mesma hora, levaram o músico e seu violão para o hospital, onde tomou analgésicos e repousou. O episódio foi contado e cantado quando o filho, o compositor e cantor Márcio Faraco, radicado na França, fez uma paródia da música Sítio do pica-pau amarelo narrando tudo.

Depois de tudo, a vítima se divertia com os versos. “Foi pior que dor de dente / Dor que não tem quem aguente / Dizem que é o pior flagelo / Índio e o escorpião amarelo.”

Índio se foi, mas a lembrança de sua música e de sua personalidade divertida vai permanecer forte. No mural do bar No Grao, fica estampado um desenho, quase caricatura, dele ao lado de outros irredutíveis músicos que continuam fazendo as noites de domingo mais suaves

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